Após perder a disputa pela Linx para a Stone, no ano passado, a Totvs superou a Locaweb na briga pela RD Station, de marketing digital, no início de 2021. O negócio, de quase R$ 1,9 bilhão, foi o maior já feito no setor nacional de software. Segundo Dennis Herszkowicz, presidente da Totvs, o investimento se justificou pelo caráter único da companhia e pelo contexto de maior competição na área de tecnologia. “Até pouco tempo, havia uma situação em que o comprador tinha a faca e o queijo na mão”, disse, em entrevista para a série Olhar de Líder, do Estadão/Broadcast. “Hoje, o vendedor tem mais poder do que o comprador.”Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

 

A Totvs passou por duas negociações de aquisições duras recentemente. Qual foi a lição de ter perdido a disputa pela Linx?

O fato de eu ter passado mais de 15 anos na Linx me deu um grau de conhecimento da operação maior do que a média, mas isso serviu para estabelecer limites que não ultrapassamos. Ninguém gosta de perder e ninguém entra para perder, mas, dado que tínhamos esses limites, vida que segue.

 

Na compra da RD, analistas chegaram a questionar se o preço não teria sido um pouco elevado. O que justifica o valor pago?

A RD é uma empresa única. Costumo brincar que é equivalente a uma Gillette, uma Coca-Cola – é sinônimo da categoria quando se pensa em marketing digital. O valor que ela tem num mercado que ela criou e que cresce exponencialmente é de uma importância incalculável. Para a Totvs, que quer construir esse ecossistema, não poderia existir uma peça mais central. Ninguém poderia imaginar que compraríamos por um valor muito menor uma companhia única como a RD, com o tamanho que tem, e que vai faturar R$ 200 milhões neste ano, já entrou em breakeven (equilíbrio) e com uma taxa de crescimento alta. Não tenho dúvida de que, se a RD seguisse caminho independente e buscasse um IPO (oferta inicial de ações), muito provavelmente conseguiria múltiplo maior. O principal comparável da RD lá fora, a Hubspot, tem um múltiplo duas vezes maior.

 

Os preços para o setor de tecnologia estão altos?

Tínhamos também limites no caso da RD e não ultrapassamos. A única coisa é que os limites no caso da Linx eram uns e os da RD, outros. Esse é o grande aprendizado. Sempre que se ultrapassam os limites, corre-se risco desnecessário. A lição principal é: tenha disciplina. Coloque esses limites e não ultrapasse. Não existe negócio que seja de vida ou morte. Essa é uma falácia no M&A (fusões e aquisições). Se a sua empresa chegou até aqui sem aquela transação, vai poder seguir sem ela.

 

A competição aumentou?

Temos um ambiente de liquidez muito maior, existe competição maior. Uma empresa bem sucedida como a RD tinha opção de vender para a Totvs, para uma série de outras empresas, buscar um IPO ou fazer mais uma rodada de investimento (privada). Até pouco tempo, havia uma situação de “buyers market”, ou seja, um comprador tinha a faca e o queijo na mão. Hoje, há uma situação mais equilibrada ou uma assimetria, onde o vendedor tem mais poder do que o comprador. É ainda mais importante que o comprador siga os limites religiosamente.

 

A Totvs vai fazer uma pausa no processo de M&A?

Não. Temos um “pipeline” muito grande e continua bastante variado, tanto em termos de perfis de empresas quanto em porte. M&A é parte do DNA da companhia. Enquanto tivermos recursos e estivermos operando, certamente vamos continuar fazendo.

 

O Brasil está enfrentando a segunda onda da pandemia com um dos piores indicadores do mundo. O que você espera para 2021?

A operação das empresas num ambiente como esse já está muito melhor do que estava há um ano. O impacto de quarentenas, de lockdowns, é proporcionalmente menor. Acho que vai ser melhor do que 2020, mas estou otimista mesmo é de 2022 adiante. Com todas as dificuldades, ainda assim, provavelmente fecharemos o ano com a vacinação e uma situação de pandemia praticamente resolvida. Aí tem uma demanda reprimida, uma ânsia por recuperação muito forte em todos os setores.

 

Poderíamos ter feito mais na resposta à pandemia?

Sempre podemos fazer mais. No trabalho, o dia que estou feliz é o que acho que fiz tudo o que eu podia fazer, mas não é todo dia que chego em casa com esse sentimento. Quando eu olho para o País, sempre dá para fazer mais. Prefiro não entrar num julgamento do que foi certo ou errado.

 

Há um grupo de empresas que entende que pode ajudar na vacinação. A Totvs tem algum trabalho para comprar vacinas?

Enquanto não houver a possibilidade de a companhia fazer algo dentro da legalidade, não vamos. Não estamos fazendo e não faremos. Hoje, a minha percepção é de que, mesmo que houvesse a possibilidade, existe uma escassez (de vacinas), e o que a Totvs certamente não fará é concorrer com o poder público.